sábado, 12 de dezembro de 2009

Eleições presidenciais na Bolívia (parte 3)

Pausa na Folha, olhada no Globo

Antes de prosseguir com a última matéria da Folha, gostaria de mostrar a abordagem de O Globo sobre as eleições presidenciais na Bolívia. O jornal da família Marinho é bem mais explícito no que expõe acerca do governo Morales. Assim, no dia 6/12, presenteou seus leitores com o editorial "Chance na Bolívia".

Seu ponto de partida é a certeza de que as urnas não apresentariam surpresas. Evo Morales seria consagrado presidente para mais um mandato. Algum motivo especial para essa convicção do jornal? Pelo menos nesse primeiro parágrafo, não.

No parágrafo seguinte o editorial revela a seus leitores que a pretensão do MAS, o partido do presidente, é obter maioria na Câmara e no Senado "para aprovar o que lhe convier". Ou seja, pelo que essas palavras dão a entender, Morales tenta instalar uma ditadura democrática, se é que essa expressão existe.

Mais além, o jornal afirma existirem duas situações que afastam "os investimentos necessários ao desenvolvimento da Bolívia": (1) o separatismo e (2) esquerdismo indigenista estatizante de Morales. Mesmo com esses fatores, ou apesar deles, o Globo reconhece "indicadores econômicos positivos", embora "os índices sociais" permaneçam "estagnados".

Assim, sem investimentos para o desenvolvimento e com índices sociais estagnados, é preciso perguntar novamente: como explicar a reeleição de Morales, tida como certa pelo editorial? Sem entrar em detalhes sobre isso, o editorial clama por um amadurecimento do presidente boliviano na forma de conduzir os rumos da nação vizinha.

E o que significa esse amadurecimento? Ter consciência que Hugo Chávez não é uma boa companhia e buscar evitar, a todo custo, a tentação de "aprofundar a experiência bolivariana e aguçar novamente o separatismo".

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Eleições presidenciais na Bolívia (parte 2)

Justiça politizada pela nova Constituição

Na matéria seguinte, a Folha entrevista
George Gray Molina, ex-diretor do programa de desenvolvimento da ONU (Pnud) na Bolívia e disponibiliza em seu site três perguntas.

A primeira é sobre a percepção dos bolivianos sobre si mesmos a partir da ascensão de Morales à presidência. Talvez a Folha esteja buscando na resposta do analista político uma explicação para a segunda vitória do ex-cocaleiro...

Afinal de contas, Molina fez parte de um programa da ONU sobre desenvolvimento na Bolívia. Quem sabe ele não oferece a chave para compreender o resultado do pleito...

Sobre a percepção dos bolivianos, Molina identifica:

"O surgimento de um' senso comum' que apoia a mudança social, a democracia como resolução de conflitos, a emergência de novas elites políticas e sociais e as mudanças nas políticas de recursos naturais. Entre 70% e 80% da população o compartilha. Ao mesmo tempo, continua a polarização em torno de Morales. De toda forma, ele é o depositário do 'imaginário' de mudança. Muitos dos questionamentos da oposição sobre política econômica não afetam sua imagem. A oposição não persuade, simula conversa 'entre convertidos' -que não capta novos votos nem provoca um imaginário alternativo de esperança social e política."

Em princípio, portanto, Morales atuaria mais no campo do imaginário coletivo blindando a si contra todos os questionamentos de seus opositores. Molina não diz, mas parece dar razão às críticas da oposição e aposta suas fichas no convencimento popular como a causa da segunda vitória de Morales.

Questionado sobre a polarização racial na Bolívia, fomentada por Morales, Molina frustra a Folha apontando que a polarização tem pouco a ver com o indigenismo. Antes, a polarização
"tem a ver com as receitas dos recursos naturais e os projetos políticos que ganham ou perdem com a sua administração. Muito da polarização gira em torno de questões que afetam o equilíbrio de poder entre os projetos centralizados (MAS) ou descentralizados (autonomia) entre as novas elites (de extração popular) e as velhas (comitês cívicos, os partidos tradicionais)."

Convém assinalar o acerto da
Folha em entrevistar um analista que viveu a realidade boliviana (embora a reportagem não informe por quanto tempo). Essa segunda pergunta foi uma bola na trave.

Por fim, a terceira pergunta. Que gira em torno da nova Constituição. Ainda dá tempo de se recuperar e tirar de Molina algo que tire o brilho da vitória de Morales. Molina declara que a nova Carta, do ponto de vista político, "oferece uma ordem jurídica híbrida, que incorpora direitos liberais e comunitários, individuais e coletivos, estatais e de mercado. Essa busca de um híbrido é o apropriado para uma sociedade num processo de transição política e social acelerado."


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Eleições presidenciais na Bolívia















A vitória de Evo Morales aos olhos da Folha de São Paulo

Aconteceram ontem (6/12/09) as eleições presidenciais na Bolívia. Segundo todas as projeções, o atual presidente Evo Morales venceu o pleito já no primeiro turno e obteve também vitórias na Câmara e no Senado ampliando sua margem de manobra política no seu próximo mandato.

Como eu gosto de fazer, consultei algumas publicações nacionais e estrangeiras a fim de avaliar o viés e o tom com que cada um dos jornais e revistas abordam a recondução do cocaleiro ao poder máximo no país vizinho.

Assim, a
Folha de São Paulo dedicou um bom espaço à cobertura da notícia com alguns traços peculiares. Ao todo, ela produziu três matérias (perdoem-me os jornalistas se o termo não for esse) além de destacar duas frases ditas, uma pelo próprio presidente eleito e outra, por um pesquisador.

Os títulos escolhidos para cada uma das matérias parecem apontar a tendência com que o jornal tratou as eleições: "Morales leva Presidência e Senado na Bolívia"; "Nova Constituição politizará Justiça, diz analista" e "Divisão de apoios em bastião evista reflete país em transformação".

Nesse sentido, "Morales leva..." sublinha a conquista de Evo, mas destaca que o principal objetivo do presidente era obter maioria na Assembleia Plurinacional para implementar a nova Constituição boliviana. Além disso, a cobertura preocupou-se em mapear, conforme as pesquisas de boca de urna, os departamentos importantes da Bolívia em que Evo ganhou e perdeu. Como essa primeira matéria é apenas informativa, recheada de números e porcentagens, ela pode ludibriar o leitor se esse não prestar atenção nos pequenos detalhes sutilmente colocados: "nova Constituição boliviana". Aliás, um leitor mais atento pode exatamente ficar curioso com as razões para a matéria tocar nesse ponto.

Mas as coisas começam a tomar forma na matéria seguinte: "Nova Constituição politizará Justiça, diz analista".


sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Eleições presidenciais no Uruguai (parte 2)


"Urnas confirmam segundo turno"

O Jornal do Brasil, na mesma data de O Globo, não destacou em sua capa, nem em editorial, o resultado das eleições presidenciais uruguaias limitando-se a informar a necessidade de um segundo turno.

Segundo o jornal, o resultado "ratificou a divisão do país de 3,3 milhões de habitantes entre uma esquerda que se mostrou moderada em sua primeira gestão e a centro-direita tradicional".

Por que o JB abordou dessa forma as eleições uruguaias?

Para O Globo, o resultado expressou o amadurecimento democrático da sociedade uruguaia. Para o JB, a divisão dos uruguaios.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Eleições presidenciais no Uruguai




















O Uruguai dá o exemplo

Escrevo este post para comparar visões sobre as eleições recentes no nosso vizinho Uruguai. Em verdade, meu interesse surgiu quando li na primeira página de O Globo (27/10/2009) a chamada: "Uruguai: direita mais forte para o 2° turno". E, abaixo dessa chamada, o regozijo do jornal carioca com o triplo êxito da direita uruguaia.

No entanto, apesar de a chamada poder ser interpretada de diferentes maneiras, tanto a favor quanto contra as pretensões do partido Frente Ampla , que governa o país, e seu candidato José "Pepe" Mujica (foto), em afirmar sua vitória já no 1° turno, foi o título do editorial desse mesmo dia que me atraiu: "Exemplo uruguaio".

Que exemplo o jornal estaria falando, me perguntei.

Assim, não havia outra coisa a fazer a não ser ler o dito editorial. Segundo o jornal, mostra-se um alento que o Uruguai esteja vivenciando seu processo político-eleitoral "sem sustos". Afinal, continua o texto, num continente repleto de "projetos continuístas" e, por conseguinte, "antidemocráticos", o fato de o Uruguai respeitar a regra democrática comezinha "da rotatividade no poder" mereceria destaque pelo "bom exemplo".

Mais que isso, o jornal creditou à sociedade uruguaia o resultado do pleito. Com efeito, o que se viu, afirma o editorial, foi a consolidação de práticas democráticas garantidoras de uma "experiência eleitoral sem turbulências", à medida que estaria em curso, na América Latina, "um perigoso ciclo de autoritarismo lastreado em referendos e plebiscitos, usados por líderes populistas para destruir a democracia representativa, e instituir regimes autocratas, caso de Venezuela, Bolívia e Equador".

Ademais, embora dirigido por um partido de esquerda, o Uruguai, conclui o editorial, "parece ter desenvolvido providenciais anticorpos em defesa das liberdades".

Ou seja, se eu entendi corretamente, a ocorrência de eleições presidenciais no Uruguai e a aceitação de seu resultado é que denotaria o "bom exemplo" aludido.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Globo e a democracia

Chávez acuado

Inicio aqui uma série de posts mostrando a postura de O Globo em relação ao ditador disfarçado de democrata Hugo Chávez em vários editoriais e reportagens. Essa série, por sua vez, reconhece ser precária a amostragem, à medida que comecei a guardar os textos do dia 16 de janeiro de 2009 para cá.

No editorial de 16/01/09, portanto, o jornal carioca chama a atenção para dois fatos: a queda vertiginosa do preço do barril de petróleo e a aprovação, pelos congressistas venezuelanos, de um referendo cuja proposta é a modificação da Constituição daquele país.

Assim, o jornal da família Marinho assinala que quando o barril do petróleo estava com os preços nas alturas Chávez "bateu à vontade nas empresas estrangeiras" situadas na Venezuela enviando, inclusive, "fiscais a seus escritórios para verificar a contabilidade".

Pois bem, com os preços em queda acentuada, Chávez estaria "discretamente cortejando as companhias para que voltem a fazer prospeções no país". Segundo O Globo, essa informação pode ser checada no "New York Times".

Para o editorialista, os programas de cunho social e populista de Chávez dependem imensamente das cotações do petróleo e qualquer alteração desse quadro poderia "desestabilizar o país", ameaçando consideravelmente o poder do presidente.

Contudo, prossegue o periódico, a Assembleia Nacional, "controlada pelo caudilho", aprovou o referendo que possibilita a reeleição indefinida do ditador. Nesse sentido, o projeto dos congressistas, "ao inviabilizar a alternância no poder, é antidemocrático, para não dizer descaradamente autoritário".

Demonstrando todo seu apreço pela democracia na América Latina, o jornal faz votos sinceros para que regime chavista perca sua sustentabilidade na suposição de que as "massas" populares deixariam de apoiar o caudilho. Sem esse apoio, portanto, criar-se-ia a oportunidade ideal para a sociedade venezuelana "se organizar para avançar no caminho da redemocratização do país".