sábado, 26 de janeiro de 2008

Redução de abortos

O que está por trás do declínio do número de abortos nos EUA?

O editorial do New York Times de hoje comenta novo estudo que revela como os EUA vem obtendo progresso na redução na taxa de abortos e que coincide com o aniversário de 35 anos da legalização da interrupção da gravidez conferida pela Suprema Corte do país. Contudo, garante o jornal americano, o progresso seria ainda maior se mais fosse feito para evitar a gravidez indesejada.

Entre 2000 e 2005, último ano do estudo realizado pelo Instituto Guttmacher, a quantidade de abortos ocorridos prematuramente baixou de 1,3 milhões para 1,2 milhões e a proporção dos casos de gravidez interrompidas pelo aborto também foi reduzida significantemente.

Os opositores do aborto, como o Comitê Nacional do Direito à Vida, apoderaram-se destes números e tem usado-os como arma de defesa em suas estratégias de demonização do aborto e tentar tornar mais difícil para as mulheres o realizarem. Conforme o editorial, vários estados estão, agora, e talvez por causa disto, dando ordem para sessões preliminares de aconselhamento às mulheres que desejam abortar.

Dois terços do declínio no total de abortos podem ser rastreados em oito jurisdições com poucas ou nenhuma restrições ao aborto -- Nova York, New Jersey, Massachusetts, Ilinois, Califórnia, Oregon, Washington e o distrito de Columbia. Estes lugares têm mostrado um compromisso com a educação sexual, como observa a presidente do Instituto Guttmacher, Sharon Camp, que é, por sinal, uma questão amplamente deixada de lado pela administração Bush que optou por recomendar a abstinência sexual aos cidadãos como única forma de prevenção à gravidez.

Assim, o New York Times frisa: prevenção funciona. Restrições ao aborto servem, principalmente, para causar malefícios às mulheres pobres, que postergam o aborto até um momento tardio e crítico da gravidez. Embora mudanças sociais possam alterar o comportamento de muitas pessoas, a melhor estratégia prática é focar sobre como ajudar as mulheres a evitar a gravidez indesejada.

O editorial destaca também que um dos achados da pesquisa diz respeito à droga RU-486, que permite interromper a gravidez com segurança nas primeiras semanas e sem risco de cirurgia. Neste sentido, o declínio na quantidade de abortos nas últimas décadas está sendo compensado pelo crescimento da oferta do remédio. Esta ampliação no acesso ao remédio ajuda a explicar, observa o jornal, a tendência positiva nos abortos prematuros. Há muito tempo se sabe que próximo de 90% dos abortos nos EUA ocorrem no primeiro trimestre de gravidez, mas o número dos que são feitos nas oito primeiras semanas têm crescido espantosamente.

Mais que isso, continua o editorial, em 2005, um em cada cinco casos de gravidez terminaram em aborto, destacando a necessidade de uma ênfase nacional sobre uma melhor educação sexual e mais acesso a remédios contraceptivos.

Ou seja, por trás da redução de abortos nos EUA estariam: (1) prevenção da gravidez mediante cuidados com a orientação sexual correta à população; (2) facilitação do acesso a drogas que interrompem a gestação com segurança

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Túnel do Tempo

Muito barulho através do tempo

Este era o título de artigo publicado no Jornal do Brasil de 21 de fevereiro de 2002, escrito pelo PhD em Física, José Carlos Azevedo, que até hoje mantenho guardado em meus alfarrábios.

É interessante relê-lo hoje. O argumento central do texto de Azevedo funda-se na constatação de que todas as previsões sobre catástrofes ambientais não se concretizaram e que havia bastante falação e pouco fundamento científico por parte de palpiteiros e de "ecopirados".

Assim, Azevedo cita o relatório do Clube de Roma, "Limits to Growth", de 1972, que fez prognósticos sombrios sobre escassez de energia, poluição, extinção de espécies animais e vegetais e crescimento da população mundial, reafirmados, em 1981, por seu presidente. Entretanto, conclui o físico, "nenhuma dessas previsões se confirmou".

Em seguida, Azevedo destaca o estudo "The Population Bomb", escrito em 1968 pelo biólogo e diretor do Centro de Estudos Populacionais da Universidade de Stanford, P. R. Ehrlich, prevendo igualmente catástrofes ambientais gravíssimas. Tal como os teóricos do Clube de Roma, sublinha Azevedo, as previsões de Ehrlich "não se confirmaram".

A seu favor, portanto, Azevedo recorre ao "importante" (é ele quem diz) livro de J. L. Simon, da Universidade de Maryland, que refuta as previsões alarmistas e, contrariando "ambientalistas", mostra que o "mundo está cada vez melhor". A poluição, grande temor dos tempos atuais, conforme o texto de Azevedo, "pode ser controlada". Por sinal, garante o físico:

"As concentrações de dióxidos de enxofre e carbono, em Londres, são hoje iguais às de 1580."

O mais fantástico aparece a seguir:

"Não há fundamento científico definitivo sobre o aquecimento da Terra devido à emissão de gases ... medições recentes na Antártida provam que ali o degelo diminuiu e a espessura do gelo aumentou, prenunciando o esfriamento da Terra e, não, seu aquecimento. Ao contrário do que alardeiam muitos, não haverá o derretimento das calotas polares nem o desaparecimento de cidades litorâneas".

Por causa da diversidade de opiniões emitidas por cientistas competentes, Azevedo, enfim, assevera peremptoriamente que "são fantasiosas, apenas literárias e sem fundamento científico, as previsões alarmantes sobre o futuro do meio ambiente".

Já se passaram seis anos do artigo e, a cada dia, mais os grupos de pesquisa alertam para as catástrofes que nos aguardam caso não se tomem medidas drásticas no sentido de se reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera. O aperfeiçoamento das técnicas e instrumentos da ciência inclinam a opinião pública a acreditar que, de fato, os riscos são cada vez maiores para a humanidade. Entretanto, pode ser que tudo não passe de alarmismo infundado, como dizia Azevedo.

Aliás, ele deve estar achando graça de todo este barulho.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Arqueologia bíblica

Descoberta de selo leva especialistas a considerar a Bíblia como fonte de documentação histórica

A descoberta, por arqueólogos israelenses, em Jerusalém, de um selo com 2500 anos de idade suscitou em alguns especialistas certas conclusões efusivas, tal como pensar que a Bíblia pode servir como fonte de documentação histórica.

No tal selo está inscrito em hebraico arcaico o nome da família Temech, que, conforme o Livro de Neemias, foi uma das famílias que regressaram a Judéia no ano 537 antes da Era Comum quando do fim do cativeiro na Babilônia.

De acordo com a pesquisadora Eilat Mazar, diretora das escavações que encontraram o selo,
"é um nexo entre as provas arqueológicas e o relato bíblico, ao evidenciar a existência de uma familia explicitamente mencionada na Bíblia".

A especialista sublinhou a influência mesopotâmica mostrada pelo selo, à medida que uma de suas faces contém gravada uma cena ritual em que dois sacerdotes, situados ao lado de um altar, fazem sacrifícios a deusa babilônica Sin, representada por uma lua crescente, e cujo culto poderia, em princípio, ser considerado herético por qualquer judeu.

Outra característica do selo que confirma a identidade babilônica consiste na caligrafia inclinada para a esquerda, tratando-se do costume da escrita cuneiforme da Mesopotâmia, que vai da esquerda para a direita.

Mazar apresentará seu achado na Conferência de Herzliya, o principal fórum de debate interdisciplinar de Israel, em que exporá suas conclusões sobre o selo.

(Dados obtidos em: Terrae Antiqvae Revista de Arqueologia e História)

A priori, é preciso cautela com a afirmação de que a Bíblia pode vir a ser uma fonte de documentação histórica. Este é um debate bastante antigo e acalorado, em que a filiação religiosa dos pesquisadores exerce uma forte influência. É por trás deste pensamento que livros do tipo "E a Bíblia tinha razão..." são publicados, rendendo bons dividendos para seus autores.

É preciso equilíbrio neste campo. Um bom exemplo disto é a obra conjunta de Eric Meyers e James Strange, Archaeology, the Rabbis & Early Christianity, na qual se propõe um diálogo entre as descobertas arqueológicas e epigráficas e os textos judaicos e cristãos antigos. No livro, os autores documentam uma série de práticas e crenças obtidas através do exame arqueológico e epigráfico que a leitura isolada das fontes literárias antigas simplesmente não deixam claras.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Cristianismo Redivivo (parte 2)

Os limites da Ciência na busca pelo Jesus histórico

Do post anterior pode-se inferir uma das premissas do autor da coluna "Cristianismo Redivivo": a pesquisa científica sobre os primeiros anos do cristianismo é restrita em função dos limites humanos da própria pesquisa. Cabe às "revelações espirituais" supra-humanas solucionar estas deficiências e "reviver" o cristianismo em sua "pureza primitiva".

Curiosamente, o autor não explicita por quais motivos a pesquisa científica sobre o Jesus histórico é limitada. Nem por quais motivos a "revelação espiritual" também não o seria. É o bastante dizer que a ciência dos homens só se completa através do diálogo com a Religião. Obviamente um diálogo assimétrico.

Com esta premissa em mente, pode-se aferir a estratégia de Haroldo Dutra Dias na condução de seus textos. Assim, no texto que inaugura a "nova coluna" da revista, Dias principia citando a tese de doutorado de Harold W. Hoehner, defendida em 1965, no Seminário Teológico de Dallas (Texas, EUA), na qual o teólogo propunha uma completa releitura das fontes históricas sobre "a cronologia da Era Apostólica".

Na tese, mais tarde publicada em livro, o autor norte-americano "apontava a necessidade de revisar todas as conclusões dos estudiosos que o antecederam". Dias afirma que a tese foi "timidamente acolhida nos meios acadêmicos" e que, atualmente, "vários pesquisadores têm confirmado as proposições" de Hoehner e incorporado "muitas de suas idéias".

Certamente, desde 1965, muitas outras teses e livros foram escritos sobre a cronologia da vida de Jesus no mundo inteiro. Haveria um motivo especial para Dias ter adotado esta e não outra?

Uma breve consideração inicial se faz necessária:

Li o primeiro capítulo do livro de Hoehner, intitulado "
Chronological Aspects of the Life of Christ" e, já pelo título, é duvidoso afirmar que se trata de uma obra de cunho histórico. Na primeira página do primeiro capítulo, o autor aponta que "em Lucas 2:10-11 o anjo do Senhor anunciou aos pastores..." e que o anúncio do nascimento de Cristo é familiar aos cristãos e que o "Cristo eterno..." Definitivamente não se trata de um livro "histórico" no sentido do termo.

A releitura da cronologia de Jesus, ou melhor, de "Cristo", conforme o livro de Hoehner, toma por base partes dos evangelhos canônicos claramente não-históricas, consideradas por ampla unanimidade de historiadores e exegetas como narrativas lendárias e apologéticas. Não poderia ser diferente, afinal, Hoehner é teólogo e sua tese de doutorado foi defendida num Seminário Teológico...

A revisão cronológica, portanto, não sai da esfera da perspectiva religiosa, daí eu achar bastante curioso Haroldo Dias afirmar que "vários pesquisadores têm confirmado as proposições do professor norte-americano". Quais pesquisadores? Em que livros, teses ou dissertações?

Assim, a partir de uma tese de doutorado em teologia Haroldo Dias assevera se surpreender com um fato, segundo ele, inusitado: a cronologia estabelecida pelo Espírito Emmanuel, nos romances psicografados por Francisco Cândido Xavier, é freqüentemente idêntica àquela defendida por Harold Hoehner. Como exemplo desta concordância, Dias cita o início do ministério de Jesus, em 30 d.C., e a crucificação em 33 d.C.

Dias aponta, ainda, um detalhe que "salta aos olhos": o romance mediúnico foi escrito em 1941, "na provinciana cidade de Pedro Leopoldo (MG), ao passo que a tese foi defendida 24 anos mais tarde, na famosa universidade de teologia norte-americana". (Grifei)

Esta aí, portanto, a razão especial para Dias ter considerado um verdadeiro achado a tese de doutorado em teologia de Hoehner. Ela corrobora a "revelação espiritual".

Caberia imaginar que Haroldo Dias desconhece a produção historiográfica dos últimos 40 anos que demonstra, à exaustão, o equívoco das balizas temporais de Hoehner. Contudo, "surpreendentemente" um "fato inusitado salta aos olhos": ele conhece, sim.

Pelo menos dois autores bastante conceituados que Dias cita, John P. Meier e Gerd Theissen, assinalam peremptoriamente que as datas prováveis do início do ministério e morte de Jesus são 28 d.C. e 30 d.C., respectivamente. Como ele os menciona, ele deve ter lido seus livros históricos. Fatalmente esbarrou com os capítulos em que as datas são evidenciadas. Todavia, estes trabalhos, quando citados, servem somente para o autor acentuar as deficiências e os limites da pesquisa histórica.

É preciso colocar, assim, a coluna "Cristianismo Redivivo" em seus eixos: é uma tentativa, bem intencionada, de reiterar as crenças espíritas e estabelecer um diálogo bastante assimétrico entre fé "raciocinada" e os avanços da investigação histórica, embora esta somente seja útil para o autor quando corroborem as "revelações espirituais".


Cristianismo Redivivo

Série de artigos em revista de espiritismo tenta agregar "revelações espirituais" à abordagem histórica do cristianismo

Em junho de 2007 o Reformador, "revista de espiritismo cristão", publicado pela Federação Espírita Brasileira, inaugurou "uma nova coluna" em suas páginas, intitulada "Cristianismo Redivivo".

Segundo seu autor, o sr. Haroldo Dutra Dias, a proposta da coluna é "salientar a contribuição oferecida pela revelação espiritual no equacionamento de graves problemas relativos à história de Jesus, dos seus seguidores e do Cristianismo..."

Ou seja, preencher as "lacunas" da pesquisa histórica do cristianismo com o conteúdo das "revelações espirituais" à disposição do autor. Melhor dizendo, as revelações espirituais que o autor considera convenientes aos seus objetivos.

Assim, o autor estrutura seu texto de um modo típico: (a) as "revelações espirituais" (as que lhe interessam, vale a pena insistir neste ponto) antecipam teses acadêmicas mundanas, conferindo a estas, portanto, caráter de verdade a ser aceita; (b) as "revelações espirituais"
do "Benfeitor Emmanuel" confirmam "alguns dados da pesquisa histórica puramente humana" e muitos outros destes dados "puramente humanos" são RETIFICADOS, "de forma sutil".

Para o autor, não obstante, "não se trata de sobrepujar a Ciência, desprezar suas conclusões, numa atitude mística incompatível com a fé raciocinada", mas ficar atento para que não se venha a divulgar "informações espiritualmente incorretas, apenas porque determinado pesquisador encarnado as defenda em suas obras".

É o paradoxo das propostas que intentam conciliar fé e ciência. A fé não quer suplantar a Ciência, mas se a Ciência defende algo que é visto como "espiritualmente incorreto", ou seja, que colide com a fé, tal coisa não deve ser divulgada. O discurso que afirma: "não queremos sobrepujar a Ciência", também diz: "mas temos medo que a Ciência nos desminta".

Por qual motivo, então, recorrer aos resultados "limitados" da Ciência? A fé nas "revelações espirituais" já não se mostra suficiente? No próximo post mostrarei como a coluna "Cristianismo Redivivo" sanciona as pesquisas acadêmicas quando elas estão de acordo com as "revelações espirituais" e como seu autor deixa de mencionar autores "encarnados" que seriam perigosos para sua proposta de "ressuscitar" o cristianismo.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Roma e seus imperadores

Exposição no British Museum mostra o "outro" lado de imperador do século II E.C.

Com o título "Adriano, o imperador gay", a edição de hoje do jornal britânico The Independent chama seus leitores para uma exposição curiosa no British Museum: esculturas, artefatos e fragmentos que revelam um lado (não gosto muito deste termo) menos conhecido do imperador Publius Aelius Traianus Hadrianus, ou seja, sua homossexualidade.

A reportagem, apesar de destacar a exposição, nada sutilmente faz referências ao contexto geopolítico atual. Assim, ao caracterizar o imperador, diz que ele não foi apenas um "imperador comum", mas o governante máximo romano que "arrancou seus soldados de volta do atual Iraque". Além disso, continua a matéria, ele foi o primeiro imperador romano a deixar claro que era gay.

A exposição intitulada "Adriano: Império e Conflito" espera, mais do que atrair visitantes para ver as peças em exposição, capturar o interesse do público para a
singular história de vida do "imperador gay". Segundo o The Independent, Adriano retirou suas tropas do atual Iraque, poucas horas após sua coroação e mandou fortalecer as fronteiras do império através da construção de fortificações contínuas, entre as quais, a Muralha de Adriano, demarcando a fronteira entre a Escócia e a Inglaterra atuais.

A "era de paz", trazida por Adriano, poderá ser vista em 200 tesouros antigos, muitos dos quais jamais tinham sido expostos na Inglaterra. Mas diversos artefatos da exposição referem-se ao seu consorte, "o belo jovem grego Antínoo", que o acompanhava em suas viagens pelo império. Entre eles, um poema escrito sobre papiro descrevendo dois homens caçando juntos.

A reportagem continua, detalhando algumas das peças inéditas que ficarão expostas, sublinha o gesto incomum do imperador de "oficializar" seu amante, mas, ao que parece, seu desejo mesmo é o de ressaltar as razões que fizeram Adriano retirar seus exércitos da Mesopotâmia, atual Iraque.

Conforme informa ao jornal britânico o curador da exposição, Sr. Thorsten Opper, Adriano "realmente não tinha escolhas a fazer." Havia uma porção de lutas de guerrilha na região, "misteriosamente iguais as dos tempos modernos", prossegue Opper, e a atitude do imperador propiciou ao Império "uma pausa para respirar".

Enfim, tudo indica que a exposição artística possui uma mensagem política subjacente. Poderia até ser o caso de se questionar por que, entre tantos outros imperadores de Roma, Adriano foi o escolhido. Aparentemente a sua homossexualidade declarada configuraria um chamariz de público, à medida que desmontaria um senso comum segundo o qual os grandes imperadores da antiguidade seriam modelos de masculinidade e virilidade.

Entretanto, os ingleses têm dado mostras de crescente insatisfação com a permanência de seus soldados no Iraque. Reportagem da The Economist, da edição da semana de 19 de dezembro de 2007, com o título "Batendo em retirada", questionava a necessidade de serem mantidas tropas no território ocupado. Conforme a revista, a presença militar britânica, desde 2003, despendeu cerca de 10 bilhões de dólares ao país e as vidas de mais de 170 soldados.

De qualquer maneira, se a exposição terá sucesso de público ou não, se irá suscitar mais questionamentos acerca da ocupação inglesa no Iraque ou não, o mais importante é mostrar que o conhecimento da História ainda é útil e que o passado tem profundas conexões com o presente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Ciência e Religião (final)

O Novo Ateísmo e a reação da Religião

Neste debate sobre Deus, enfim, chegou o momento de encerrar. John Habgood apresenta, portanto, os dois últimos livros que procuram defender a Religião contra o avanço do ateísmo.

O eminente teólogo, punido pela Igreja em 1979 por ter se oposto à infalibilidade papal, Hans Küng, participa da contenda através do livro "O princípio de todas as coisas. Ciência e Religião", definido por ele mesmo como um pequeno livro sobre o significado do universo.

Nesta empreitada, Küng recorre a ilustres cientistas, como Stephen Hawking e Popper, entre outros, para ressaltar que cientistas e teólogos, e mesmo os papas, precisam aceitar sua falibilidade. Delimitando fronteiras, Küng acredita que a ciência não tem que "provar" a existência de Deus, mas sim, avançar na explicabilidade de nosso universo pela física e, ao mesmo tempo, deixar o espaço para o que, em princípio, não pode ser explicado pela física.

E aí termina a análise de Habgood sobre o livro de Küng. Habgood reclama exatamente da brevidade com que o teólogo defende suas idéias, apesar de seus interessantes insights. Há questões que Küng poderia ter desenvolvido mais, afirma Habgood, mas que não faz. No fim das contas, resta a vontade de conhecer este livro do polêmico teólogo.

Em suma, não há como não reconhecer que se trata de um diálogo entre surdos. Se é desejável uma aproximação entre ciência e religião? Poucos diriam que não. Se é possível? Muitos diriam que não.

Ciência e Religião (parte 3)

Um matemático sai em defesa do anti-evolucionismo

Após abordar o livro conciliador de Tina Beattie, Habgood passa a comentar outra obra escrita recentemente e que se insere na discussão com os novos ateus. Trata-se do livro "God's undertaker: has science buried God?" do matemático de Oxford, John Lennox. (No site da Amazon, é possível adquiri-lo por apenas 11 dólares, fora as taxas)

Habgood acha louvável que um matemático venha a público manifestar-se contra os "agentes funerários de Deus", alegando que a ciência não "sepultou Deus".

Para Lennox, o verdadeiro debate não é entre a ciência e a religião, mas sim, entre o naturalismo e o teísmo, em que o primeiro é definido como um sistema fechado de causa e efeito com nada além dele ou que o transcenda e o segundo, como um sistema que alega que a coerência observável na natureza é a evidência de sua criação por uma única mente.

Assim, Lennox indica que, longe de antagonizar a ciência, a crença na ordem racional do mundo material e a crença em um Criador mutuamente se sustentam. Esta é a deixa para Lennox defender a hipótese pseudo-científica do Design Inteligente.

Esta hipótese, criada no século XIX por um teólogo, tinha (e ainda tem) o propósito expresso de invalidar a teoria da seleção natural das espécies, mais conhecida como Darwinismo, contradizendo todas as evidências obtidas, há mais de um século, de que os organismos se adaptam ao meio, sofrendo mutações aleatórias adaptativas.

Os adeptos do Design Inteligente, assim, sem qualquer base empírica para seus argumentos, consideram que um "Designer" estaria por trás de todas as mudanças sofridas pelos organismos vivos, rejeitando o caráter aleatório das mutações que a evolução das espécies implica.

O empenho desses pseudo-cientistas é encontrar buracos na teoria darwinista e poder dizer que é nestas lacunas que Deus, isto é, o "Designer", se torna necessário. Estes religiosos disfarçados de homens da ciência ridicularizam a teoria evolucionista, garantindo que jamais um Boeing 747 surgiria após a passagem de um tufão por um ferro-velho cheio de porcas, parafusos, armários, cadeiras, rodas, panelas, manches, mostradores, etc.

Ao inferirem que um "Designer" inteligente estaria por trás de todos os processos naturais, acabam por esquivar-se quando chegam, por exemplo, notícias do nascimento de répteis com duas cabeças. Ora, por que o "Designer" não impede que isto aconteça? Não teria sido o acaso?

Ao fim e ao cabo, não importa que Lennox seja matemático de Oxford. Muito pelo contrário, conforme registra Habgood, ele se serve da matemática para referendar que só a existência de Deus explica os mistérios da vida e do universo. Assim, como o título de seu livro indica, a Ciência, em geral, e a Matemática, em particular, não enterraram Deus. Ao inverso, demonstram, de maneira irrefutável, a sua existência e presença.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Ciência e Religião (parte 2)

O debate sobre Deus

Habgood aponta ainda que a intolerância não está restrita ao Novo Ateísmo. O mesmo pode ser dito em relação ao fundamentalismo religioso e, no fim das contas, os dois extremos merecem-se um ao outro. O bacana é o que ele afirma em seguida: "as conseqüências deste mútuo desprezo e abuso são trágicos, porque há muito a ser aprendido do encontro criativo entre uma ciência evolucionária, consciente de seus próprios limites e uma teologia auto-crítica, fundamentada em uma consciência do mistério fundamental de sua matéria de estudo".

Ditas estas coisas, Habgood finalmente aborda o primeiro livro, de Tina Beattie, intitulado "Os Novos Ateus" (cujo subtítulo é O crepúsculo da razão e a guerra da religião). Nele, a autora faz um apelo para a redescoberta da esquecida arte da conversação, da tranqüila e cortez voz da sabedoria e do valor da amabilidade no trato uns com os outros. (A quem interessar possa: é possível comprar este livro pelo preço de 25 dólares, fora a taxa de importação)

A autora assinala que o extremismo religioso em nosso tempo tem muito a se responsabilizar por isto, mas deveria ser proveitoso se houvesse um reconhecimento de que regimes ateus têm sido igualmente, se não mais, culpados. Os assassinatos excessivos do século XX foram, em sua maior parte, não religiosamente inspirados, apesar de ser uma verdade lastimável que alguns deles o foram.

Por conseguinte, embora seja fácil culpar crenças ou regimes particulares pela violência ou outras formas de maldade, a raiz do mal, como o cristianismo deixa muito claro, segundo a autora, está na natureza humana, daí porque é fútil e perigoso tentar externalizar o mal projetando a culpa sobre a religião ou sobre a ciência.

Para Beattie, o debate sobre Deus tornou-se cheio de vícios, desesperando-a por sua pouca profundidade e pelo perigo que isto fornecerá mais munição ao extremismo religioso. Assim, ela está convencida de que o cristianismo necessita dos insights do secularismo e precisa reconhecer o que está subjacente na presente obsessão pelo pós-modernismo, ou seja,

"a face oculta da cultura pós-moderna é uma forma de desesperança, pois nosso multicuturalismo esconde um caos de valores e significados. No século XX, a fé em Deus se tornou uma impossibilidade para muitas pessoas, não porque a ciência ou a razão deram todas as respostas ao mistério da vida, mas porque a escala de sofrimento da humanidade e a capacidade de causar violência retirou toda a possibilidade de conceber e acreditar num Deus justo e amoroso."

Todavia, ela acrescenta, permanece um desejo por Deus. E é na literatura, na arte e na música que teremos que procurar para satisfazer esta ânsia por Deus. "Na sua maior profundidade, a fé não é uma resposta às questões da Vida, mas uma disposição para viver na escuridão de saber que existem algumas coisas que nunca saberemos". A visão apaixonada de Beattie deste cenário complexo acarreta num apelo constante para um entendimento mútuo. Ela é, conforme sublinha Habgood, uma boa guia e uma leitura que vale a pena.

Quem quiser saber mais sobre Beattie, basta acessar o site pessoal dela em:http://tina.beattie.googlepages.com/home

sábado, 5 de janeiro de 2008

Ciência e Religião

O Novo Ateísmo e suas idéias

Quem tiver oportunidade, recomendo fortemente a leitura do TLS, isto é, The Times Literary Supplement, que é o suplemento literário do jornal britânico
The Sunday Times, que eu compararia, guardadas as devidas proporções, ao "Prosa & Verso" de O Globo ou ao "Idéias" do JB.

Na edição de 12 de dezembro do ano passado, que só hoje eu tive o prazer de ler, há uma excelente crítica de John Habgood sobre quatro livros que tratam do assim chamado Novo Ateísmo. Para Habgood, no entanto, o Novo Ateísmo é pouco mais do que um passo de volta ao antiquado Ateísmo, e que habitualmente faz uso da idéia de um abismo intransponível entre religião e ciência.

Habgood frisa que, como suporte a tal alegação, encontrava-se, e ainda se encontra, o apelo simplista de um contraste entre fé e razão, como se uma não precisasse da outra. A diferença principal entre o Novo Ateísmo e o antigo Ateísmo é observada numa drástica mudança de tom. A nova versão do ateísmo tem uma língua mais afiada, é mais divertidamente agressiva do que solenemente deplorável, e fazendo muito uso do ridículo.

Seria possível afirmar, observa Habgood, que o desprezo mostrado em relação a religião e às sensibilidades religiosas é necessário para o impacto que os autores procuram causar e que, sem dúvida, também auxilia na venda de seus livros. O reverso desta estratégia é que as pessoas provavelmente não se convertem para serem ridicularizadas.

Como o texto de Habgood é extenso, continuo em outro post amanhã.

Em tempo: tenho recebido alguns comentários bacanas, mas não aprendi ainda como responder a cada um. Agradeço imensamente pelos comentários e assim que eu conseguir descobrir como retornar, eu o farei.

EUA vs. Irã

"EUA não deixaria Israel sozinho diante da ameaça iraniana", afirmou o presidente George W. Bush em entrevista

Matéria publicada no jornal The Jerusalem Post, afirma que o presidente norte-americano, George W. Bush, garantiu que, no caso de um ataque iraniano a Israel, seria deflagrada a Terceira Guerra Mundial. Pior, os EUA não abandonariam Israel e revidariam os ataques iranianos.

Disse ainda o presidente Bush que seu país sempre considerou uma alternativa militar para resolver a questão nuclear iraniana uma vez que as negociações diplomáticas estão postas à mesa.

Com visita prevista à região nos próximos dias, Bush afirmou que um plano de contenção à ameaça iraniana será desenvolvido com seus aliados no Oriente Médio enquanto durar sua estadia na região. Sem detalhar, é lógico, os planos de segurança.

Para Bush, o Irã continua a ser uma ameça à paz devido a continuar desenvolvendo mísseis, possivelmente nucleares, e resistindo as exigências internacionais para suspender o enriquecimento de urânio, um processo que pode, tanto produzir combustível para um reator nuclear quanto material para uma bomba.

Bush também incitou a comunidade internacional a manter pressões sobre o Irã, ainda que, afirma o The Jerusalem Post, um relatório recente de órgãos de inteligência americanos ter garantido que Teerã suspendeu o desenvolvimento de armas nucleares em 2003 e não ter mais reiniciado-o.

Essa idéia fixa do presidente norte-americano mostra que o mundo continua a beira de uma grande guerra. Afinal, o Irã não é o Iraque. Além disso, Síria e Irã são aliados tradicionais, o que significa que um conflito contra o Irã traria mais agraves já que seria impensável a Síria assistir a tudo sem participar diretamente. Pode-se pensar que tudo não passa de uma cortina de fumaça, uma bravata, mais uma, do presidente Bush. Ameaças de guerra costumam elevar o valor das ações de empresas bélicas...

O nascimento de Jesus

Record lança novo livro de Geza Vermes sobre o nascimento de Jesus

Em uma velocidade espantosa para os padrões normais, a editora carioca traduziu e lançou o mais recente livro do historiador húngaro judeu, Geza Vermes, intitulado, aqui no Brasil, de "Natividade". Depois que a editora Imago, que criou até um selo específico, começou a traduzir os livros e autores mais representativos, e alguns outros polêmicos e pouco necessários, tudo parecia que nós, brazucas, teríamos, enfim, acesso às pesquisas de ponta no campo dos estudos históricos sobre os judaísmos e cristianismos dos primeiros séculos da Era Comum.

Ledo engano. O público brasileiro queria mesmo era a literatura romanceada e nada fundamentada de picaretas do tipo Dan Brown e seu "Código da Vinci". Conclusão: a Imago parou de traduzir e lançar aqui em Pindorama as melhores pesquisas neste campo.

Restando para nós, duas alternativas: comprar os livros caros da Paulinas e da Paulus, ou importar os livros originais e torcer para o dólar não pegar o elevador subindo.

Eis que a Record, sabe-se lá por qual motivo, começou a traduzir esta literatura, mas concentrando-se apenas nos livros do historiador Geza Vermes. Inexplicável opção. Embora as escolhas, como não poderia ser diferente, tenham focado nos livros de Vermes de pouco valor historiográfico, mas de grande apelo comercial.

Até agora foram quatro da lavra de Vermes. Ontem, comprei o mais recente dele, "Natividade", e terminei sua leitura agora pela manhã.

Bem, desde "A religião de Jesus, o judeu", que Vermes não produz algo que valha a pena ler.


Aliás, sobre o assunto das narrativas do nascimento de Jesus em Mateus e Lucas, desde o portentoso livro do falecido exegeta católico Raymond Brown, "The Birth of Messiah", com suas 752 páginas, e as explicações magistrais de John Dominic Crossan em suas obras, não há nada mais que possa ser tratado sobre o tema.

O livro de Vermes, portanto, chega a reproduzir algumas páginas do grosso volume de Brown, menciona, sem citar, as originais explicações de Crossan, e não acrescenta nada ao que nós pesquisadores não saibamos. O livro é quase desnecessário.

Achei legal, contudo, a coragem de Vermes em criticar o comercialismo atual dos festejos natalinos, implica dizer, a perda do sentido real da data para os cristãos, em que a mesa farta e a troca de presentes obscurecem o fato que é Jesus, e não Papai Noel, que deve ser homenageado nesta data.

O outro ponto que também merece nota é a outra crítica que Vermes faz aos historiadores que, no curso de suas pesquisas, se fazem prisioneiros de suas confissões religiosas, prejudicando o resultado de seus trabalhos, como o próprio Brown e John P. Meier.

Tomara que a Record traduza de Vermes The Essenes According to the Classical Sources.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Cego guiando cegos

Prosperidade da Igreja do "Bispo" Macedo deve-se a religião "de resultados", diz The Economist.


Na edição desta semana da revista britânica The Economist, foi publicada uma reportagem nada positiva a respeito da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) do "Bispo" Edir Macedo. Apontando o Brasil como um solo fértil para o pentecostalismo, um ramo do cristianismo que acredita que Deus opera milagres para seus fiéis tão regularmente que podem ser escritas no momento em que acontecem, a reportagem define a IURD como o terceiro maior grupo pentecostal do Brasil, mas o mais ambiciosos dentre todos eles.

O gigantismo e as pretensões da igreja do "Bispo" são visíveis quando se contabilizam 172 filiais em todo o mundo, um partido político e uma rede de televisão própria. Mas o foco é sobre o "homem por trás do conglomerado religioso". Definido pela revista como o empresário religioso mais bem sucedido do mundo, o "Bispo" não concede entrevistas, embora dois jornalistas tenham publicado (pela editora do grupo religioso) uma biografia de Macedo.


A reportagem mostra que, apesar do subtítulo da biografia "A História Revelada", nada de substancial é dito sobre a "história" do "Bispo". Pelo contrário, são detalhes triviais que perpassam a obra inteira, como, por exemplo, a colônia preferida de Macedo -- Acqua di Parma -- e uma discussão sobre a coleção de gravatas italianas de seda do fundador da IURD. Mas não há nada sobre as finanças da Igreja, acrescenta a reportagem.

Resumindo em poucas linhas a trajetória do "Bispo", desde o subúrbio pobre de São Cristóvão até seu trabalho numa lotérica no Rio, a The Economist assinala um fato curioso: a biografia de Edir Macedo, sua "história revelada", curiosamente omite a sua conversão do catolicismo para o pentecostalismo.


Desde sua fundação, em 1977, a Igreja concentra-se na afirmação de que os fiéis deveriam ser recompensados por sacrifícios, normalmente sacrifícios do tipo financeiro. Aos seguidores, continua a revista, é pedido que doem 10% de sua renda; a "igreja de resultados" recompensará os fiéis então com bençãos, na forma de curas milagrosas ou sucesso para suas famílias ou no trabalho. Os serviços da igreja, em geral, giram em torno de testemunhos destes resultados.

A revista então cita o "Bispo": "Ofertas (a Deus) são investimentos".


Acusado de vender a teologia da prosperidade aos mais pobres, explorando a credulidade dos desesperados, Macedo defende "com robustez", no livro, a si próprio. Aqueles que não ganham nada, diz o "Bispo", podem aproveitar do ar-condicionado do amplo salão e usar o banheiro da Igreja de graça. Eles podem, inclusive, deixar de beber, parar de bater em suas esposas e unir-se à igreja.

"A quem eu tenho prejudicado? Esta é a questão: a quem eu tenho prejudicado?", pergunta o "Bispo", numa clara alusão à Igreja Católica pelo elogio que esta faz à pobreza.


Em seguida a revista esclarece o programa do Partido político de Macedo, mais pragmático do que ideológico, afinal, seus membros não são hostis ao aborto. Sua proposta principal parece ser defender os interesses da Igreja protegendo-a dos ataques de seus poderosos inimigos, que incluem a Igreja Católica e a Rede Globo.

A reportagem abre e fecha reproduzindo cenas típicas do cotidiano da Igreja. Exorcismos e brados a Deus, com pessoas chorando e erguendo seus braços para o alto. E o "Bispo" solicitando oferendas em dinheiro.

"O sacrifício é divino", afirma Macedo a sua congregação.


"Talvez seja, mas inventar um modelo de negócios genial é humano", finaliza a revista.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Em defesa do Estado laico

Continua a peleja entre o El País e a cúpula da Igreja Católica na Espanha.

A situação permanece crítica no solo espanhol. Novamente, o diário El País vem, por meio de seu editorial, apontar o gesto político, disfarçado de campanha pela preservação da família, organizado pela Igreja Católica no último dia 30.

Para o jornal, as infundadas e mentirosas invectivas católicas contra o governo democrático do PSOE, sob a alegação de um retrocesso nos direitos humanos, não merece o silêncio como resposta. Alguns missivistas indevidamente reclamaram da postura anticlerical do editor do El País, mas a postura do diário nada mais faz do que defender uma conquista da modernidade que é a separação Igreja-Estado e o laicismo como uma opção sensata num mundo multi-religioso e em que as idéias religiosas servem de esteio para discursos que reiteram a desigualdade social como uma vontade de Deus.

Sustenta o El País que defender a secularização estrita do Estado não implica ir contra a Igreja, mas sim colocar a instituição milenar em seu devido lugar. Aliás, acusa de cínicas as alegações dos bispos espanhóis, faltando dois meses para as eleições gerais, por não exigir do PP, partido ligado a alta hierarquia da Igreja, na época em que este governou o país, contra-reformas na Carta Constitucional nas matérias sobre o aborto e o divórcio como faz insistentemente agora.

O governo espanhol não deve ceder às pressões da Igreja. E nem voltar atrás. Se a Religião, equivocadamente, faz oposição ao casamento entre homossexuais, ao divórcio, ao aborto, o faz como um direito que lhe cabe. No entanto, se o Estado laico abrir a guarda ao conservadorismo da Religião, abrirá graves precedentes para que as pesquisas com células-tronco, por exemplo, também sejam barradas.

Não se pode abrir mão, é claro, do diálogo. Faz parte do regime democrático. Mas em certos casos não há como não deixar de ser irredutível. Quem conhece a História sabe que há não muito tempo atrás, na Semana Santa, um judeu era escolhido e levado aos palácios reais para ser ofendido, em geral com cusparadas, pela culpa dos judeus na morte do Cristo.

Este abuso só era possível porque Igreja e Estado eram uma só entidade. A separação dos dois foi um acerto incalculável. Ela deve ser mantida a todo custo.

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Por la familia cristiana: repercussões

Convocação de católicos foi um ato político, diz editorial do El País


A manifestação orquestrada pela alta cúpula da Igreja católica espanhola, com o apoio do Vaticano, que levou às ruas de Madri 160 mil católicos num gesto de descontentamento contra o governo "ateu" do premiê Zapatero, que comentei ontem, mereceu um ácido editorial na edição de hoje do jornal espanhol El País.

Segundo o editorial, o ato nada mais foi do que um comício político que reflete uma obsessão da alta hierarquia católica. A oposição da Igreja às medidas legais do premiê, por ela consideradas iníquas, significaria a negação da existência de outra família que não a heterossexual. (Aliás, algo que eu postei ontem. Os homossexuais têm os mesmos direitos que os hetero de constituir famílias)

Tratar-se-ia, enfim, de uma obsessão da Igreja e, como toda obsessão, sublinha o editorial, "exclui a reflexão e a autocrítica". Ainda conforme o jornal espanhol, "a insistência de que só existe um tipo de família reconhecível e defensável é um comportamento teocrático e que bem demonstra o pouco respeito à independência do poder civil ou laico frente às férreas posições de uma confissão religiosa, muito respeitáveis, desde que não tratem de impor-se aos outros".

O jornal continua sua investida contra o ato dos bispos de Espanha, batendo mais forte. Assim, recomenda aos clérigos que avaliem as causas pelas quais o discurso da Igreja encontra cada vez menos crédito. Ninguém ataca a família, diz o editorial, e se há uma crise nela isto se deve a estreiteza de vistas com que seus defensores têm se empenhado ao negar que a sociedade aceita outras formas de convivência baseadas em princípios de afetividade e respeito, que a própria Igreja afirma defender.

As críticas do cardeal de Valência, de que o laicismo conduz a dissolução da democracia, são criticadas pelo jornal por meio do argumento de que a democracia se dissolve quando aqueles que devem respeitá-la, "como os bispos", irrompem desrespeitosamente em tarefas que não lhes cabem.

De fato, é comum que a Religião cerre fileiras com o imobilismo, negando os avanços imprescindíveis para uma sociedade mais justa e equilibrada. No Brasil, por exemplo, o golpe civil-militar que estabeleceu uma ditadura de 20 anos, sufocando a liberdade, contou com o apoio de amplos segmentos do catolicismo, do protestantismo, do espiritismo, etc.

E quando no seio da Religião levantam-se sujeitos denunciando como o Poder asfixia o Carisma, a Estrutura não se faz de rogada: desqualifica esses sujeitos, atacando seus discursos, "demonizando-os" para, com o apoio da maioria dos fiéis, silenciar, expulsar ou exterminar, simbolica ou fisicamente, esses "elementos da discórdia".