domingo, 13 de janeiro de 2008

Cristianismo Redivivo (parte 2)

Os limites da Ciência na busca pelo Jesus histórico

Do post anterior pode-se inferir uma das premissas do autor da coluna "Cristianismo Redivivo": a pesquisa científica sobre os primeiros anos do cristianismo é restrita em função dos limites humanos da própria pesquisa. Cabe às "revelações espirituais" supra-humanas solucionar estas deficiências e "reviver" o cristianismo em sua "pureza primitiva".

Curiosamente, o autor não explicita por quais motivos a pesquisa científica sobre o Jesus histórico é limitada. Nem por quais motivos a "revelação espiritual" também não o seria. É o bastante dizer que a ciência dos homens só se completa através do diálogo com a Religião. Obviamente um diálogo assimétrico.

Com esta premissa em mente, pode-se aferir a estratégia de Haroldo Dutra Dias na condução de seus textos. Assim, no texto que inaugura a "nova coluna" da revista, Dias principia citando a tese de doutorado de Harold W. Hoehner, defendida em 1965, no Seminário Teológico de Dallas (Texas, EUA), na qual o teólogo propunha uma completa releitura das fontes históricas sobre "a cronologia da Era Apostólica".

Na tese, mais tarde publicada em livro, o autor norte-americano "apontava a necessidade de revisar todas as conclusões dos estudiosos que o antecederam". Dias afirma que a tese foi "timidamente acolhida nos meios acadêmicos" e que, atualmente, "vários pesquisadores têm confirmado as proposições" de Hoehner e incorporado "muitas de suas idéias".

Certamente, desde 1965, muitas outras teses e livros foram escritos sobre a cronologia da vida de Jesus no mundo inteiro. Haveria um motivo especial para Dias ter adotado esta e não outra?

Uma breve consideração inicial se faz necessária:

Li o primeiro capítulo do livro de Hoehner, intitulado "
Chronological Aspects of the Life of Christ" e, já pelo título, é duvidoso afirmar que se trata de uma obra de cunho histórico. Na primeira página do primeiro capítulo, o autor aponta que "em Lucas 2:10-11 o anjo do Senhor anunciou aos pastores..." e que o anúncio do nascimento de Cristo é familiar aos cristãos e que o "Cristo eterno..." Definitivamente não se trata de um livro "histórico" no sentido do termo.

A releitura da cronologia de Jesus, ou melhor, de "Cristo", conforme o livro de Hoehner, toma por base partes dos evangelhos canônicos claramente não-históricas, consideradas por ampla unanimidade de historiadores e exegetas como narrativas lendárias e apologéticas. Não poderia ser diferente, afinal, Hoehner é teólogo e sua tese de doutorado foi defendida num Seminário Teológico...

A revisão cronológica, portanto, não sai da esfera da perspectiva religiosa, daí eu achar bastante curioso Haroldo Dias afirmar que "vários pesquisadores têm confirmado as proposições do professor norte-americano". Quais pesquisadores? Em que livros, teses ou dissertações?

Assim, a partir de uma tese de doutorado em teologia Haroldo Dias assevera se surpreender com um fato, segundo ele, inusitado: a cronologia estabelecida pelo Espírito Emmanuel, nos romances psicografados por Francisco Cândido Xavier, é freqüentemente idêntica àquela defendida por Harold Hoehner. Como exemplo desta concordância, Dias cita o início do ministério de Jesus, em 30 d.C., e a crucificação em 33 d.C.

Dias aponta, ainda, um detalhe que "salta aos olhos": o romance mediúnico foi escrito em 1941, "na provinciana cidade de Pedro Leopoldo (MG), ao passo que a tese foi defendida 24 anos mais tarde, na famosa universidade de teologia norte-americana". (Grifei)

Esta aí, portanto, a razão especial para Dias ter considerado um verdadeiro achado a tese de doutorado em teologia de Hoehner. Ela corrobora a "revelação espiritual".

Caberia imaginar que Haroldo Dias desconhece a produção historiográfica dos últimos 40 anos que demonstra, à exaustão, o equívoco das balizas temporais de Hoehner. Contudo, "surpreendentemente" um "fato inusitado salta aos olhos": ele conhece, sim.

Pelo menos dois autores bastante conceituados que Dias cita, John P. Meier e Gerd Theissen, assinalam peremptoriamente que as datas prováveis do início do ministério e morte de Jesus são 28 d.C. e 30 d.C., respectivamente. Como ele os menciona, ele deve ter lido seus livros históricos. Fatalmente esbarrou com os capítulos em que as datas são evidenciadas. Todavia, estes trabalhos, quando citados, servem somente para o autor acentuar as deficiências e os limites da pesquisa histórica.

É preciso colocar, assim, a coluna "Cristianismo Redivivo" em seus eixos: é uma tentativa, bem intencionada, de reiterar as crenças espíritas e estabelecer um diálogo bastante assimétrico entre fé "raciocinada" e os avanços da investigação histórica, embora esta somente seja útil para o autor quando corroborem as "revelações espirituais".


4 comentários:

Anônimo disse...

"Certamente, desde 1965, muitas outras teses e livros foram escritos sobre a cronologia da vida de Jesus no mundo inteiro. Haveria um motivo especial para Dias ter adotado esta e não outra?"
Amigo,Dias estudou a obra de Emmanuel (Paulo e Estevão) pelas mãos de Chico Xavier e pesquisou a veracidade das datas fornecidas pelo espirito Emmanuel .A obra foi escrita em Pedro Leopoldo pelas mãos do médium Chico Xavier,o qual se o senhor for pesquisar sobre sua vida,verá que se trata de uma pessoa humilde e sem estudos academicos,porem suas obras psicografadas foram consideradas de alto nível.Não acho que o Harold W.Hoehner tenha lido a obra Paulo e Estevão e depois disso ter elaborado sua tese.Tão pouco ,que Chico tenha pesquisado sobre o assunto e desenvolvido o livro com tanta riqueza de destalhes e descrição dos acontecimentos da época,incluindo estações do ano,colheitas,etc..Perdoe-me se eu estiver equivocada mas em seu texto da a entender isso.

Luís disse...

Alguns comentários aos seus apontamentos... Por primeiro, ainda que você refira a natureza teológica da obra de Harold W. Hoehner, não vejo como desqualificar, de pronto, a tese de Harold apenas por este fato, já que muito mais importante é saber se é baseado ou não em argumentos lógicos, ainda que permeados de conteúdo religioso. Para os espíritas, inclusive, não há nenhum preceito religioso válido destituído de lógica ou sentido racional. Teríamos que ler mais do que a primeira página para saber se a tese é correta ou não. Por segundo, não desqualificaria também os evangelhos consultados por Harold em seu estudo apenas por que, hoje, advoga-se serem lendários..., quero saber se podem fornecer dados relevantes ou não no contexto de todos os evangelhos, inclusive os apócrifos. E por terceiro, você fala que a obra de Harold detém equívoco exaustivamente apontado nos dias atuais... Ora, deixemos a mera acusação de lado e venhamos com fatos ao debate... O que se tem de discutir é a qualidade da tese, o seu conteúdo, não se os "renomados" autores o condenam ou não... Como se atualmente não se produzisse, às pencas, desconhecimento.

Lair disse...

Palavras, ah, as palavras...

Releia meu post. Você não entendeu o que eu escrevi.

Bruno Lopes disse...

Lair, sei que já se passaram 3 anos esse post e talvez vc já tenha o feito, mas vc já pensou em entrar em contato c/ o Haroldo Dutra Dias? Eu sou leitor e correspondente dele, e tenho certeza que ele poderia esclarece-lo sobre essa dúvidas, que realmente tem lógica, mas creio que ele possa tirar todas suas dúvidas. Penso eu que as informações que ele deixa subentendidas ou apenas menciona sem dá maiores detalhes, fiquem de fora do texto até pelo espaço na revista, talvez um texto "completo" ficasse inviavel publica-lo.

Abraço