quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O TEMPO

Boa vontade só não basta

Li, num artigo, que "muitos teólogos, padres e pastores do século 20 não acreditavam na existência do demônio". Em seguida, o articulista comenta:

Hoje se sabe que demônios são os próprios espíritos humanos. Aliás, na época em que a Bíblia foi escrita, como já demonstrei em outras matérias desta coluna, a palavra grega “daimon” (plural “daimones”) significava alma ou espírito dum morto.

Bem, "hoje se sabe" é uma afirmação muito categórica. Não são todos os seres humanos na Terra que sabem ou aceitam isso. Pergunte a um cristão do tipo neopentecostal se o "demônio" que atormenta a vida das pessoas é a alma de alguém já morto e ele, certamente, responderá que não. Os demônios são, segundo a visão de muitos, seres criados à parte para "infernizar" os filhos de Deus.

Na frase seguinte, outra declaração questionável: "na época em que a Bíblia foi escrita, (...) a palavra grega 'daimon' (...) significava alma ou espírito dum morto."

Em que época a Bíblia foi escrita? Seria mais adequado dizer, talvez, a época em que os textos bíblicos foram compilados... A Bíblia foi "escrita" durante vários séculos de maneira que situar sua redação numa época precisa é próprio de quem alberga noções do senso comum. Ao mesmo tempo, se a palavra grega "daimon" significava "espírito ou alma de um morto" o articulista precisa dar conta da seguinte questão:

Para os judeus, "da época em que a Bíblia foi escrita", qual a relevância de que, para os gregos, a palavra grega "daimon" significava "espírito ou alma de um morto"? Por acaso, os judeus, "da época em que a Bíblia foi escrita", compartilhavam o vocabulário dos gregos? Mais que isso, também adotavam as crenças gregas?

Conforme o rabino Alan Unterman, no "Dictionary of Jewish Lore and Legend", na concepção judaica, os demônios "foram criados ao anoitecer da sexta-feira da Criação" e Deus, "com o Shabat se aproximando, não teve tempo de dar-lhes corpos, e assim permaneceram espíritos desencarnados".

Nada, nessa explicação, permite estabelecer qualquer nexo com a equivocada ideia de que os demônios eram, "na época em que a Bíblia foi escrita", compreendidos, pelos judeus, como a alma dos mortos.


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