domingo, 30 de dezembro de 2007

A batalha dos livros sagrados

Na contenda pela alma humana, cristãos e muçulmanos investem nos seus livros sagrados.

A revista britânica "The Economist", em sua edição de final de ano, apresenta dados que mostram como os negócios de marketing da Bíblia e do Alcorão dizem muito sobre o estado dos cristãos e muçulmanos modernos.

Cristãos e os seguidores do Islã compartilham um aspecto em comum: ambos são conhecidos como o "povo do livro". Têm também como uma de suas obrigações disseminar a Palavra, pondo seus livros sagrados nas mãos e nos corações de tantas pessoas quanto elas possam alcançar. Mas difundir a Palavra não é uma tarefa fácil. A Bíblia é por demais extensa e, às vezes, entediante. O Corão, menor do que o Novo Testamento, é, para alguns ocidentais, muito difícil de ler e entender.

Os números sobre os livros, no entanto, são impressionantes. A Bíblia está, no todo ou em parte, disponível em nada menos que 2.426 idiomas, cobrindo 95% da população mundial. Por ano, mais de 100 mil cópias são vendidas e a ONG religiosa Gideons International distribui bíblias para hospitais, hotéis e prisões ao ritmo de uma bíblia por segundo (salve, salve meu São Google!). O Corão não é somente o livro mais lido no mundo islâmico, mas também o mais recitado. O supremo objetivo na vida de um muçulmano é tornar-se um repositório humano do livro sagrado.

A Bíblia e o Corão atingiram escala global. Segundo a "The Economist", em 1900, 80% dos cristãos do mundo viviam na Europa e nos EUA. Hoje, 60% vivem no mundo desenvolvido. Atualmente, mais presbiterianos vão à sua Igreja em Gana do que na Escócia. Em 1900, o Islã concentrava-se no mundo árabe e no sudeste da Ásia. Neste início de século, pode haver tantos muçulmanos praticantes na Inglaterra quantos são os anglicanos praticantes.

Neste sentido, por que cristãos e muçulmanos estão sendo tão bem-sucedidos na difusão da Palavra, quando a tese da secularização, ou seja, de que o declínio da religião seria a inevitável conseqüência da modernização do mundo, parecia estar se tornando um fato irreversível?

Para a "The Economist", a resposta a esta questão reside no simples fato de que cristãos e muçulmanos estão conseguindo adeptos usando as próprias ferramentas da modernidade - globalização, tecnologia e a crescente prosperidade - como forma de ajuda para a distribuição de seus livros sagrados. Assim, por exemplo, acesse FreeKoran.com e você receberá gratuitamente um exemplar do Corão em suas mãos em poucas semanas.

A tecnologia tem mostrado-se uma amiga dos Livros Sagrados. Eles podem ser consultados na internet. Podem ser lidos em "Psalm pilot" (palm tops) ou em telefones celulares. Podem ser escutados em MP3 ou iPods. Uma propaganda pergunta: "Você quer plugar em Deus sem se desplugar da vida? Então simplesmente compre um Go Bible MP3 player". Já existe um MP3 player que "toca" os versos do Corão.

No entanto, há uma grande diferença entre ter e entender um Livro Sagrado. Americanos adquirem mais de 20 mil bíblias todos os anos para acrescentar à média de quatro exemplares que cada americano tem em casa. Uma pesquisa Gallup revelou que menos da metade dos americanos consegue dizer o nome do primeiro livro da Bíblia (Gênesis); só um terço sabe quem pronunciou o Sermão da Montanha (a resposta mais comum foi: o pastor Billy Graham!) e um quarto desconhece o que se celebra na Páscoa. Sessenta por cento não consegue citar a metade dos Dez Mandamentos e 12% pensam que Noé foi marido de Joana D'Arc.

Por outro lado, os muçulmanos preferem ler o Corão em árabe. O árabe arcaico, apesar de inspirador, pode ser difícil de entender mesmo para os educados na língua. Somente 20% dos muçulmanos falam o árabe como sua língua materna. Muitos estudantes do Livro Sagrado não entendem aquilo que estão memorizando.

Estes dados precisam estar na mente quando se considera quem está vencendo a batalha dos livros sagrados. Em várias partes do mundo, a batalha está em pleno andamento. Os sauditas não permitem que a Bíblia seja distribuída em seu território. Um Seminário Teológico Batista no Texas treina missionários especificamente para converter muçulmanos. Alguns evangélicos produzem contrafactuais do Corão para semear a dúvida em mentes islâmicas.

Contudo, no meio acadêmico há a percepção de que o Islã superará o Cristianismo por volta de 2050. Mas a "Guerra ao Terror", suscitada pelos atentados do grupo islâmico radical Al-Qaeda às Torres Gêmeas, tem tornado muito mais difícil a difusão do Corão no mundo. As contribuições à beneficência islâmica têm se reduzido consideravelmente e as organizações missionárias estão sob os olhares atentos dos serviços de inteligência ocidentais.

Por esta e outras razões os muçulmanos estão levando desvantagem na batalha dos livros sagrados. Convém levar em conta outras três vantagens do lado cristão. A primeira, a habilidade superior em marketing. Hoje, existem bíblias para todos os gostos e maus gostos. Coloridas, para adolescentes, para vaqueiros, para homens de negócios, à prova d'água, em linguagem formal ou rebuscada, traduções para línguas faladas apenas por pequenas comunidades, há até uma excêntrica tradução da Bíblia para o idioma Klingon, uma língua falada pelos extraterrestres da série Star Trek. Já estão em fase de produção para o cinema, filmes bíblicos e um, chamado "A Experiência da Bíblia", com a participação dos maiores atores negros de Hollywood.

A segunda vantagem, os cristãos têm nos EUA. O país mais rico e mais poderoso conta com cerca de 80 milhões de evangélicos, sustentando mais missionários, mais organizações de difusão, televisionada ou por rádio, e mais editores do que qualquer outro país do mundo. Apesar de estar presente em alguns países ricos em petróleo, o Corão é majoritário em muitos países pobres. O mundo árabe é um dos mais altamente iletrados do planeta: um quinto dos homens e dois quintos das mulheres são incapazes de ler. O uso da internet é um dos mais baixos do planeta.

Para a "The Economist" a terceira e fundamental vantagem do cristianismo consiste na crença ocidental na liberdade religiosa, garantida pela Constituição nos EUA e pela aversão à perseguição religiosa, na Europa. A terra natal do Islã, por outro lado, é teocrática. A Arábia Saudita proíbe cultos não-islâmicos e as tentativas de converter muçulmanos a outra fé são vistas como uma ofensa criminosa. No Sudão, o "desvio religioso" é punido com o encarceramento.

Enfim, duas coisas são certas, conclui a revista britânica: o impulso para difundir a Palavra estimulará alguns dos mais ferozes conflitos do século 21 e a Bíblia e o Corão continuarão a exercer uma dramática influência sobre os eventos humanos, para o bem ou para o mal.

Não é por outro motivo que minha assinatura eletrônica contém a seguinte consideração: "Não será a hegemonia de um sistema político, econômico, cultural ou de uma Religião que trará a Paz. A Paz virá quando aprendermos a conviver com as diferenças".

Um comentário:

EDINEA disse...

Interessane o Texto e os fatos.
A Humaindade está a caminho da ALTERIDADE.
Ainda que por caminhos tortos....